Um desafio frontal à Constituição Democrática de 1988 está registrado nos anais da história, com a mácula infame da censura contra a mais emblemática entidade cultural da Bahia.
É público e notório que, em fevereiro de 2024, o Governo suprimiu integralmente a verba destinada ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – IGHB, violando lei específica que lhe assegura uma dotação orçamentária.
O repasse representava 85% da sua receita anual, traduzindo-se o ato governamental em uma enfática tentativa de asfixia da instituição cultural mais antiga no estado, em atividade ininterrupta.
Ecoando os tempos mais sombrios da repressão do pensamento, assistimos um ataque vil e categórico, de índole desapropriadamente ideológico-partidária, em face da Memória da Bahia, prejudicando a realização de notáveis projetos culturais e a manutenção do mais rico acervo histórico do nosso Estado, composto pela Biblioteca Ruy Barbosa, pelo Arquivo Histórico Theodoro Sampaio, pela mais antiga Hemeroteca, pela maior Pinacoteca do norte e nordeste, pelo Pavilhão Dois de Julho, pela publicação anual da Revista do IGHB, editada ininterruptamente desde 1894, e pelas conferências e cursos realizados no suntuoso Auditório Bernardino de Souza.
Na motivação da combalida decisão administrativa, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia – SECULT havia alegado suposta desarmonia da entidade com a política estadual de cultura.
Ocorre que, três meses antes do pérfido ato de censura, a própria SECULT havia expedido reprimenda pública a uma conferência virtual, sediada pelo Instituto, por ter sido proferida por um Chanceler do Brasil, que compôs um Governo de orientação política diversa.
Pronta e unanimemente, a Diretoria do Instituto rechaçou a exprobação do órgão estatal e emitiu nota pública, denunciando a repressão ao livre debate intelectual e o ultraje à pessoa humana do conferencista, bem como afirmando a independência da associação civil, dotada de autonomia administrativa e de reconhecida utilidade pública.
Importantes agremiações, como a Associação Bahiana de Imprensa, a Academia de Letras e Artes, o Instituto dos Advogados e a Associação de Criminalistas, prestaram apoio público à Casa da Bahia em face da decisão teratológica da SECULT.
Em proteção da cultura, do pluralismo e da liberdade, o Instituto adotou diversas medidas: interpôs Recurso Administrativo, engavetado pela pasta, iniciou campanha arrecadatória para superar a iminente austereza, impetrou Mandado de Segurança e oficiou ao Ministério Público para apuração da improbidade administrativa.
Na ação mandamental, perante o egrégio Tribunal de Justiça da Bahia, em uma vitória expressiva, por julgamento unânime dos vinte Desembargadores da excelsa Seção Cível de Direito Público, foi reconhecida a ilegalidade do ato governamental que rebaixara indevidamente o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Não tendo ainda transitado em julgado o processo, cabe recurso da decisão. Enquanto o Estado postergar o cumprimento da decisão judicial, o átrio central da centenária entidade permanecerá interditado, à espera de reformas urgentes, dada a insuficiência de recursos financeiros da entidade. Resta saber se o Estado insistirá no ataque ao pluralismo cultural ou buscará o caminho da conciliação com a eclética e apartidária entidade cultural.
Na mais ampla galeria da democracia, o primoroso aresto figura como símbolo da resistência republicana, colorindo o pináculo da democracia, onde a tutela jurisdicional reafirma a liberdade cultural em face do arbítrio governamental.
Como em uma goleada pictórica da cultura contra a tentativa de apagamento da indelével Memória da Bahia, assistimos um significativo triunfo do Direito, uma conquista que não se pinta com tintas partidárias, mas com os valores e as cores da liberdade e da justiça.
De sua parte, a postura firme e altiva do laudável Instituto Geográfico e Histórico da Bahia reafirma a entidade como paradigma cultural, em seu propósito imperecível de assegurar um ambiente livre ao debate de ideias. Afinal, como diz textualmente o Hino da Bahia, com tiranos não combinam brasileiros corações.