Entre erros e acertos, estreou nos cinemas o filme “A voz de Ruy – o arquiteto da República”. Há muitos pontos positivos nesta produção audiovisual, feita em formato de documentário, que reuniu belas imagens e importantes depoimentos sobre aspectos da profícua vida do polímata Ruy Barbosa.
Entretanto, a película deixa de ser indicada para quem desconhece a história real, devido à quantidade de equívocos historiográficos e pelo uso anacrônico de fatos, posições e palavras, com o claro intuito de consolidar uma narrativa ideológico-partidária atual.
Por exemplo, desde a segunda cena, a fita utiliza o nome de Ruy Barbosa para desabonar as manifestações do dia Oito de Janeiro, desvirtuando anacronicamente o pensamento do jurista, na medida que se revela um intento duvidoso, capaz de associar fatos tão díspares ao longo da obra cinematográfica. Se algo da história de Ruy pode ser relacionado ao Oito de Janeiro, seriam os habeas corpus por ele impetrados em defesa de presos políticos, no limiar da República.
Ao mencionar o federalismo e o republicanismo, o filme ofertou ataque indireto às instituições democráticas permanentes das Forças Armadas, enquanto se silenciava sobre o fato de que a queda da Monarquia e a instauração da República foram um golpe militar, sem nenhum apoio popular, como registrou o jornalista republicano Aristides Lobo, segundo o qual o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem entender o que significava.
Transpareceu no vídeo também o desapreço aos católicos como se fossem figuras antiquadas, associadas à base de uma decrépita Monarquia, ao passo que se atenuavam os ataques pessoais de Ruy ao Imperador e exaltavam laconicamente o laicismo, sustentado por Ruy Barbosa. Saliente-se que o nosso jurista, nada obstante defendesse o laicismo, era católico.
Mais que evidenciada a orientação ideológico-partidária da produção cinematográfica, Ruy Barbosa chega a ser retratado na película como um socialista, o que constitui uma fulgurante inadequação para um filme de monumental envergadura. Nesse aspecto, basta recordar as palavras do próprio Ruy Barbosa que, inadmitindo fosse o fenômeno econômico causa eficiente de todos os demais fenômenos, considerava Karl Marx como um corruptor da noção científica de propriedade, ao clamar fórmulas ilusórias do socialismo, prometendo igualdade em abundância, enquanto entregava igualdade na miséria.
Ruy não admitia o sistema de produção como determinante da conduta social do indivíduo e não compreendia como melhoramento das condições de vida dos operários a subordinação ao Estado socializado em substituição dos capitalistas.
Expondo expressamente o seu desapreço pelo socialismo, a par da então recente revolução bolchevique, sustentara Ruy que o marxismo era a antítese desenganada das concepções de Estado, do homem, do direito e da liberdade, sendo impreciso e indecoroso classificar a visão política do liberal ao socialismo.
Em outro momento, o longa-metragem intenta arrogar ao grandioso Ruy Barbosa um fomento pioneiro na industrialização no país, quando na verdade tal desenvolvimento se iniciou no Império, sendo muito mais genuíno relacioná-lo às figuras do Barão de Mauá e do Imperador Pedro II.
A Ruy coube apenas, como Ministro da Fazenda, facilitar empréstimos para estimular a atividade econômica, quando aliás houve a não esquecida catástrofe do encilhamento, que inaugurou a inflação galopante na história do Brasil, a partir da concessão da impressão de papel-moeda oficial a bancos privados.
Ainda se valendo desse tema, a película buscou projetar Luís Inácio Lula da Silva, como resultado positivo da industrialização, supostamente concebida pelo notável Ruy. Realmente o atual Presidente foi alçado pelo movimento sindicalista, do qual ele se desprendeu conforme se associava às forças oligárquicas nacionais e internacionais. Ainda assim, somente com excessiva abstração e considerável esforço é possível cotejar a ascensão do sepultado Lula da década de 1980 com as vívidas ações de Ruy Barbosa, falecido em 1923.
Com relação aos fatos trazidos nesta prestigiosa obra cinematográfica, destaca-se, ao final, o relato dos ataques jornalísticos à evolução patrimonial de Ruy, havida após a queda da Monarquia e a sua atuação no Ministério da Fazenda. Esta singular e meritória abordagem certamente instigará estudiosos a relacioná-la com a história dos empréstimos, nesta colônia de banqueiros chamada Brasil, partindo do recomendável título do Prof. Gustavo Barroso.
4 respostas
Brilhante análise… que poder de fixar as imagens…
Antes do filme tinha uma ideia muito maior e soberana de RUY… ele se apequenou para adequar-se à narrativa pretendida pelos autores…
Dr. Ricardo Nogueira,
Historia magistra vitae est. Muito obrigado pelas análises históricas sobre a longa metragem :”A voz de Ruy Barbosa….”. Encontro aí uma orientação pedagógica para rever a nossa história. O fato histórico não pode jamais ser distorcido para legitimar situações descabidas.Parabéns!
P. Gilson Magno
A BAHIA, O MAIOR PATRIMÔNIO HISTÓRICO DO BRASIL, É CAUSA DE MUITA INVEJA, PRINCIPALMENTE PELO DESTAWUE DE FIGURAS IMPONENTES DA NOSSA NACIONALIDADE COMO RIY BARBOSA E CASTRO ALVES, E AO FATO DE QUE A VERDADEIRA INDEPENDENCIA DI BRASIL SE DEU NA BAHIA, NO DIA 02 DE JULHO DE 1823 COM A EXPULSÃO DAS TROPAS MILITARES PORTUGIUESES COM MUITAS BATALHAS, GUERRA. SANGUE E CIVISMO E NÃO NO 07 DE SETEMBRO DOS PAULISTAS, ÀS MARGENS DO IPIRANGA COMO REGISTRA A HISTÓRIA OFICIAL.
DAÍ AS AS PERFIDIAS AS DISRTORÇÕES NO FILME ” A VOZ DE RUY BARBOSA” . ALEM DD DEMOCRATICO CONVICTO DEFENSOR DA CONSTITUIÇÃO E DAS LEIS, FOI UM DOS PRIMEIROS INTELECTUAIS DO BRASIL ANTICOMUNISTA E DEFENSOR DA PROPRIEDADE PRIVADA E DA LIVRE INICIATIAVA. NÃO QUEIRAM POIS DISTORCER A HISTÓRIA INCLUINDO-O NA CORJA DOS SOCIALISTAS E DEFENSORES DO COMUNISMO ATEU E ÀTOA. QUE NEGA DEUS E A ESPIRITUALIDADE APESAR DELE DEFENDER UM ESTADO LAICO. O QUE DEU MARGEM AO ATEISMO E A INFLUENCIA NEFASTA DO ANTI CRISTIANISMO EM.NOSDO PAIS A PARTIR DO POSITIVISMO DE AUGSTO CONTE COM O ADVENTO DA REPÚBLICA, QUE EM VERDADE NÃO FOI UM GOLPE MAS UMA MALDIÇÃO SOBRE O BRASIL
POR RIZODALVO MENEZES EM 09.03.24
Parabéns, Dr. Ricardo Nogueira
Uma análise comparativa entre a narrativa do filme e a realidade histórica vivenciada por Ruy de excepcional qualidade, muito esclarecedora.