Reflexões para o Dia Mundial do Consumidor em homenagem ao Prof. Dr. Joaci Góes, Relator do Código de Defesa do Consumidor.
Em 15 de março de 1962, o Presidente dos EUA, John Fitzgerald Kennedy, encaminhou a Special Message to the Congress on Protecting Consumer Interest, apontando para a necessidade da defesa dos interesses difusos e coletivos dos consumidores e da tutela de direitos básicos do consumidor.
Essa data foi o marco do movimento consumerista internacional, consagrando-se como o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, o que nos traz à reflexão sobre o processo histórico, o estágio atual e os novos riscos nas relações de consumo.
É certo que as sucessivas revoluções industriais provocaram modificações substanciais no modo de vida e nas relações interpessoais, repercutindo primeiro na seara trabalhista e, mais tarde, nas relações de consumo.
Com o advento da sociedade de massas, que despojou o indivíduo da vontade contratual – ou pelo menos reduziu o seu poder de alcance nas tratativas, resumindo-a a adesão -, tornou-se imperioso o desenvolvimento do direito do consumidor, para não limitar o progresso científico, tecnológico e financeiro. No sentido do processo civilizatório, buscou-se aplacar as práticas abusivas e reduzir a desigualdade entre fornecedor e consumidor, ainda que ao custo da maior intervenção estatal, inclusive com o dirigismo contratual.
No ambiente bipolarizado de outrora, aquela mensagem do Presidente da maior potência capitalista significou um passo importante para a contínua abertura dos mercados internacionais, com absorção da produção industrial transnacional, favorecendo a política do capital globalizado. Por outro lado, ao recorrer à tese dos interesses difusos e coletivos, o centro capitalista sucumbiu à socialização das relações jurídicas, dos riscos e dos prejuízos, o que apenas na primeira instância sobrecarrega os fornecedores de produtos e serviços.
Na 29ª Sessão da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, ocorrida em Genebra, no ano de 1973, a ONU ecoou o movimento consumerista internacionalmente, reconhecendo direitos básicos do consumidor como segurança, informação, intimidade, honra, integridade física e dignidade humana. Em 1985, a Assembleia Geral da ONU editou a Resolução nº. 39/248, estabelecendo normas internacionais de proteção do consumidor.
No Brasil, seguindo a ordem constitucional do art. 5º, XXXII, e do art. 170, V, sob relatoria do eminente Deputado Joaci Fonseca de Góes, elaborou-se a festejada Lei nº. 8.078, de 11/09/1990, que estabeleceu normas de proteção do consumidor.
O completo Código de Defesa do Consumidor trouxe normas heterônomas, com natureza de ordem pública, que passaram a regular Política Nacional de Consumo, direitos básicos do consumidor, responsabilidade do fornecedor, decadência e prescrição, desconsideração da personalidade jurídica, publicidade, bancos de dados, proteção contratual, práticas abusivas, sanções administrativas, infrações penais, processo coletivo, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e a convenção coletiva de consumo.
Inúmeros temas relevantes são submetidos à disciplina do CDC, como contratos bancários, cartão de crédito, anatocismo, reajuste abusivo de mensalidades de plano de saúde, autorização de procedimento médico, contratos imobiliários, contratos eletrônicos e tantos outros. A jurisprudência, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, completa a matéria, vindo a faltar quando não atende o real interesse do consumidor, especialmente quando se trata do mercado imobiliário e de instituições financeiras.
Persistem problemas como a indústria do dano moral, para alguns pelo excesso de demandas infundadas, para outros pelos lucros arbitrários de fornecedores que fazem da lesão ao consumidor, algumas vezes, o seu maior negócio, sabendo da leniência do Judiciário, em alguns estados. Outro infortúnio é a litigiosidade excessiva que só pode ser superada pela harmonia social e não com o desestímulo do consumidor que busca a guarida dos seus direitos. De gravidade colossal é o superendividamento, agravado pela política de lockdown, que só pode ser superado pelo consumo consciente e pela educação financeira. Existem consequências ambientais tanto na produção como no descarte de lixo, decorrente da cultura consumista.
O Digesto consumerista continua apto a regular as mais básicas relações de consumo. Contudo, novos desafios se colocam a cada inovação tecnológica, afinal, vivemos tempos de Internet of Things (IoT), Indústria 4.0, inteligência artificial, robôs, algoritmos, proteção de dados, terapia gênica, transumanismo e armazenamento de dados digitais em DNA. Essas fascinantes ferramentas tecnológicas podem nos brindar com conforto, segurança, saúde e prosperidade, como também podem vir acompanhadas de abusos, perfídia, moléstias, danos e terror seja por uso de particulares, seja por uso de governantes.
Nesse período transitório, as disposições constitucionais sobre a ordem econômica trazem importantes vetores de tutela da livre iniciativa, da livre concorrência, da propriedade privada, do meio ambiente e da soberania nacional. Sem dúvida, são estes instrumentos fundamentais para que se retome o sentido de um autêntico processo civilizatório: um caminho de respeito ao ser humano natural, individualmente considerado.
Artigo publicado em 15/03/2023. Disponível no JusBrasil <As relações de consumo em um mundo cada vez mais globalizado | Jusbrasil>.