Segundo o STF, são compatíveis com a Constituição Federal (CF) os dispositivos da Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) que extinguiram a obrigatoriedade da contribuição sindical e condicionaram o seu pagamento à prévia e expressa autorização dos filiados.
Com base nesse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, julgou improcedentes os pedidos formulados em ações diretas de inconstitucionalidade, e procedente o pedido apresentado em ação declaratória de constitucionalidade, para reconhecer a constitucionalidade do art. 1º da Lei 13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No âmbito formal, o STF entendeu que a Lei 13.467/2017 não contempla normas gerais de direito tributário [CF, art. 146, III, “a” (1)], dispensada a edição de lei complementar para tratar sobre matéria relativa a contribuições.
Também não se aplica ao caso a exigência de lei específica prevista no art. 150, § 6º (2), da CF, pois a norma impugnada não disciplinou nenhum dos benefícios fiscais nele mencionados, quais sejam, subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão.
Sob o ângulo material, o Tribunal asseverou que a Constituição assegura a livre associação profissional ou sindical, de modo que ninguém é obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato [CF, art. 8º, V (3)]. O princípio constitucional da liberdade sindical garante tanto ao trabalhador quanto ao empregador a liberdade de se associar a uma organização sindical, passando a contribuir voluntariamente com essa representação.
Ressaltou que a contribuição sindical não foi constitucionalizada no texto magno. Ao contrário, não há qualquer comando ao legislador infraconstitucional que determine a sua compulsoriedade. A Constituição não criou, vetou ou obrigou a sua instituição legal.
Compete à União, por meio de lei ordinária, instituir, extinguir ou modificar a natureza de contribuições [CF, art. 149 (4)]. Por sua vez, a CF previu que a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei [CF, art. 8º, IV (5)]. A parte final do dispositivo deixa claro que a contribuição sindical, na forma da lei, é subsidiária como fonte de custeio em relação à contribuição confederativa, instituída em assembleia geral.
O STF disse que não se pode admitir que o texto constitucional, de um lado, consagre a liberdade de associação, sindicalização e expressão [CF, artigos 5º, IV e XVII, e 8º, caput (6)] e, de outro, imponha uma contribuição compulsória a todos os integrantes das categorias econômicas e profissionais.
Porém é bom perceber que, desde 1988, sempre se reputou admissível a regra da obrigatoriedade da contribuição sindical. A afirmação taxativa indica uma orientação mais política do que jurídica, em nossa opinião.
O STF afirmou que a discussão a respeito do modelo de gestão sindical a ser adotado no Brasil é eminentemente política, cujo protagonista é o Congresso Nacional. O STF deve ser autocontido, de forma a respeitar as escolhas políticas do Legislativo.
Porém, se o constituinte deliberar sobre questões políticas, essas decisões terão então relevância jurídica e o STF deverá mantê-la, ainda que contrariem o Congresso Nacional, pois todos estão subordinados ao Poder Constituinte.
Em clara retórica, inadmissível em julgamento pelo Poder Judiciário que deve ser sempre imparcial, o STF disse que a reforma trabalhista busca a evolução de um sistema sindical centralizador, arcaico e paternalista para um modelo mais moderno, baseado na liberdade. O modelo de contribuição compulsória não estimulava a competitividade e a representatividade, levando a um verdadeiro negócio privado, bom apenas para sindicalistas.
A sistemática anterior criou um associativismo com enorme distorção representativa. No Brasil, são quase 17 mil sindicatos, enquanto em outros países apenas algumas centenas. A contribuição compulsória vinha gerando oferta excessiva e artificial de associações sindicais, o que configura perda social em detrimento dos trabalhadores. Esse número estratosférico de sindicatos não se revertia em aumento do bem-estar de nenhuma categoria.
Nesse contexto, as entidades sindicais frequentemente se engajam em atividades políticas, lançando e apoiando candidatos, conclamando protestos e mantendo estreitos laços com partidos políticos. Ocorre que o discurso político é o núcleo por excelência da liberdade de expressão. Ao exigir que indivíduos financiem atividades políticas com as quais não concordam, por meio de contribuições compulsórias a sindicatos, o regime anterior certamente vulnerava a garantia fundamental da liberdade de expressão, protegida pelo art. 5º, IV (6), da Constituição.
Por sua vez, a nova sistemática leva a um novo pensar da sociedade sobre como lidar com as categorias econômicas e trabalhistas e com as formas de atuação na sociedade, sem depender necessariamente do Estado. Os sindicatos passarão a ser sustentados por contribuições voluntárias, do mesmo modo que as demais associações.
O STF já reconheceu, inclusive, a constitucionalidade de normas que afastam o pagamento compulsório de contribuição sindical, por não configurar interferência indevida na autonomia nem no sistema dos sindicatos (ADI 2.522).
Por fim, a despeito de considerar conveniente a adoção de normas de transição entre o regime compulsório e o facultativo, entendeu que sua ausência não é suficiente para tornar a legislação incompatível com o texto constitucional.
Vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Rosa Weber e Dias Toffoli, para quem as alterações legislativas são inconstitucionais formal e materialmente.
Sob o aspecto formal, entenderam que parte da contribuição sindical obrigatória (10%) é destinada à Conta Especial Emprego e Salário (FAT), nos termos do art. 589 (7) da CLT. Nessa parte, a arrecadação da contribuição é receita pública que somente poderia ter sido alterada mediante a indicação da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro [ADCT, art. 113 (8)], o que não foi demonstrado nos autos.
Com isso, fica claro que a reforma trabalhista não foi feita de modo apressado como se fosse medida de urgência. Logo, as razões políticas, em nossa opinião, foram incongruentes e afrontaram as razões jurídicas de modo injustificável em um Estado de Direito.
Com relação ao material, a inexistência de uma fonte de custeio obrigatória inviabiliza o direito constitucionalmente reconhecido a um regime sindical, que é sustentado no tripé da unicidade sindical, representatividade obrigatória e custeio das entidades sindicais por meio de um tributo, a contribuição sindical, expressamente autorizada pelo art. 149 (4) da CF. Ainda que fosse possível a mudança de regime, deveria ter sido observado um período de transição para a implantação de novas regras relativas ao custeio das entidades sindicais.
Nossa conclusão é que seria possível a mudança de regime da contribuição sindical, quanto à obrigatoriedade, desde que houvesse a indicação da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, indicando a fonte de custeio substitutiva do FAT. É possível inclusive a configuração de crime de responsabilidade. Por fim, entendemos ainda que seria salutar a previsão de regra de transição ou ao menos o estabelecimento de vacatio legis mais extensa para o vigor da alteração, por uma questão de segurança jurídica. A falta de previsão de regra de transição não é inconstitucional, em nossa opinião.
(1) CF: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.”
(2) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”
(3) CF: “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…) V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.”
(4) CF: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”
(5) CF: “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…) IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.”
(6) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (…) XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; e Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…).”
(7) CLT: “Art. 589. Da importância da arrecadação da contribuição sindical serão feitos os seguintes créditos pela Caixa Econômica Federal, na forma das instruções que forem expedidas pelo Ministro do Trabalho: (…) II – para os trabalhadores: (…) e) 10% (dez por cento) para a ‘Conta Especial Emprego e Salário’. ”
(8) ADCT: “Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. ”
ADI 5794/DF, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 29.6.2018. (ADI-5794)